Saiam da vossa terra

Vivemos uma época difícil para quem tem ilusões. As pessoas perceberam que a crise veio para ficar; os desempregados interiorizaram que conseguir um contrato de trabalho é uma quimera; o primeiro-ministro consciencializou-se que terá de governar os portugueses durante todo o seu mandato. No entanto, enquanto aqueles se resignam à sua situação, este foi expedito a tomar a decisão que se impunha: convidou-os a abandonar o país.

Quando tomou posse, Passos Coelho sabia que o facto de viver em Portugal o obrigava a lidar durante um certo período com o povo indígena. Ora desde os tempos de Sertório que se sabe que os lusitanos sempre foram o principal entrave ao trabalho de qualquer governante. Por isso, o primeiro-ministro não perdeu tempo em lançar mão do seu arsenal para expulsar de vez os Viriatos que resistem sadicamente ao apelo à emigração: pilhou os habitantes com a subida de impostos, dizimou os subsídios de Natal e de férias, devastou direitos sociais, arrasou pensões, entre outros ataques próprios de um social-democrata.

Face a este esforço patriótico para libertar Portugal dos portugueses, como reagiu a população autóctone? Com uma indiferença olímpica, continuando teimosamente a viver no país onde tirando o facto de ter nascido, crescido, trabalhado e constituído família, não tem quaisquer outras ligações que justifiquem a sua permanência. Quando se mostra tamanha má vontade, não há governante que resista.

No entanto, tenho de dar a mão à palmatória e reconhecer que o governo tem falhado em alguns aspectos no incentivo à emigração. Ao portajar todas as auto-estradas e ao desmantelar as linhas de caminho-de-ferro, é evidente que dificultou a saída dos portugueses da sua terra.

O que se perdeu em eficácia executiva ganhou-se, contudo, em riqueza semântica no que à palavra emigração diz respeito: outrora era entendida como a solução de último recurso para fugir à fome e à miséria; actualmente, com o aumento do preço dos transportes e com a imensidão de portagens que varrem o país de lés-a-lés, é uma excentricidade só ao alcance de bolsas milionárias, caso do Cristiano Ronaldo, que se exilou em Madrid, do Alexandre Soares dos Santos, que pediu asilo fiscal na Holanda, ou do Dias Loureiro, que se refugiou em Cabo Verde quando, ingenuamente, convenhamos, se assustou com o hipotético regresso da Justiça da sua emigração ad eternum.


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