Mensagens

A mostrar mensagens de 2013

Campanha autárquica em fascículos

Observando a lei à risca, a Comissão Nacional de Eleições obrigou os órgãos de comunicação social a dar um tratamento igualitário a todas as forças políticas envolvidas nas autárquicas de 29 de Setembro. Perante uma decisão tão sensata e democrática, qual foi a reacção os jornalistas? Abraçaram-se em júbilo e arrancaram país fora de bloco e microfone em riste, felizes por darem o mesmo espaço mediático a todas as campanhas? Nada disso. Ficaram descontentes, alegando, imagine-se, que a cobertura eleitoral se transformou numa tarefa humanamente impossível. Trata-se, como já devem ter percebido, de uma desculpa de gente preguiçosa que prefere estar repimpada no fresco climatizado das redacções do que ir para o terreno trabalhar. Acontece que eu tenho comigo os números que deitam por terra as suas lamúrias ociosas. Antes disso, devo esclarecer o seguinte ponto: para que o igualitarismo partidário seja observado em sentido literal, os jornalistas não podem restringir a cobertura eleito

Apontamentos para uma biografia irrevogável

A minha história começa aos oito meses de vida quando tomei a decisão irrevogável de não nascer. Preocupada, a parteira informou a administração que se reuniu de emergência para deliberar sobre um caso tão insólito. Seguiram-se horas de debate e ponderação, até que me ofereceram o cargo de vice gestor da maternidade. E foi assim, irrevogavelmente, que vim ao mundo numa tarde soalheira de Verão. Quando entrei para a primária, os meus colegas tiveram a desfaçatez de me porem à baliza durante os jogos realizados no recreio. A justificação que deram foi que assim atrapalhava menos. Melindrado, manifestei solenemente a minha vontade irrevogável de abandonar a equipa. Algumas horas depois, estava a jogar a avançado e com a braçadeira de capitão à volta do meu braço direito. Um dia, enquanto cervejava alegremente com os meus amigos, disse-lhes que as diferenças sociais e laborais entre homens e mulheres me davam asco. Por essa razão, em solidariedade com a emancipação feminina, tomav

Bacalhau: 365 maneiras de aditivá-lo

Os portugueses têm capitulado em várias frentes de guerra. Foram espezinhados pelo galope incessante do desemprego, abalroados pela avalancha inexorável do défice e trespassados pela lança infindável da austeridade. No entanto, nada os preparou para a humilhação que se avizinha: a derrota na contenda do bacalhau frente à Dinamarca, Islândia e Noruega. Na verdade, contra a vontade de Portugal, o triunvirato nórdico está perto de ver aprovada a introdução de aditivos alimentares na secagem do bacalhau por parte da União Europeia. Para ser mais específico, os pomos da discórdia são os polifosfatos E-450, E-451 e E-452, os quais podem adulterar o sabor do fiel amigo. Portanto, depois da gasolina, o símbolo maior da cozinha portuguesa corre o risco de ser igualmente aditivado. Face a este cenário, não me admira que, em breve, as peixarias comecem a comercializar Bacalhau GForce. Ao contrário do bacalhau tradicional, aquele deverá aumentar a performance do estômago no processo digesti

O Presidente-Fortaleza

Elvas tem andado sobressaltada. Acorda todas as noites, insone, com olheiras fundas. E o caso não é para menos. O Presidente da República teve a desfaçatez de a eleger como anfitriã das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Antes de avançar, a frase anterior carece de várias rectificações. Em primeiro lugar, a expressão 'comemorar Portugal' tresanda a excentricidade. Quem é que comemora Portugal em 2013? Provavelmente apenas quem não tem sensibilidade social ou é banqueiro, passe a redundância. No fundo, comemorar Portugal é o equivalente a celebrar o desastre de Chernobyl, embora neste caso as consequências para a saúde  tenham sido bem menores do que viver em Portugal no século XXI. Portanto, talvez seja mais apropriado afirmar que o 10 de Junho é o dia da lamentação de Portugal. Claro que o nome próprio Portugal também causa engulhos a todos os zelotas do rigor. Como devem estar recordados, é um vocábulo que caiu em desuso a partir de 201

Icebergue – o fim do silêncio

Acaba de chegar o icebergue que, alegadamente, afundou o Titanic no início do século passado. Vem dentro de uma arca frigorífica da Ariston com capacidade para três mil litros e ladeado por dois pinguins imperadores que trajam o já habitual smoking preto e branco. A arca frigorífica parou neste momento à entrada do estúdio onde se vai realizar a entrevista que marca o fim do silêncio do icebergue, 101 anos após a tragédia do Titanic. No interior, a temperatura ronda os 25 graus negativos para que não se dê o caso de o icebergue derreter antes de explicar o que aconteceu ao certo na noite do naufrágio do Titanic. Por essa razão, o nosso colega que vai conduzir a entrevista, José Brito, enverga hoje um casaco de camurça de tom beije a condizer com a sua gravata ocre com riscas diagonais amarelo tostadas. Há neste momento um compasso... Um compasso de espera, evidentemente, para que os pinguins destranquem a arca frigorífica... Bom, parece que estão com algumas dificuldades devido ao

Requiem por um antigo trabalhador

E pronto. Estou novamente desempregado. Os trâmites seguidos foram iguais a tantos outros. O contrato terminou e não havia folga orçamental para mais. Arrumei a minha secretária. Organizei a papelada para quem vier a seguir. Passei dados, códigos e passwords de acesso. Despedi-me. Distribuí beijos e abraços. Agradeceram o meu empenho e zelo profissional. Retribuí os encómios e desejei felicidades futuras. Não fiz promessas de visitar quem fica. Entreguei a chave do escritório e guardei o porta-chaves no bolso. Disse adeus. Fechei a porta. Fim. Agora tenho os dias por minha conta. O tempo à mão de semear. Os cafés preguiçosos nas esplanadas que for encontrando. Os pores-do-sol ao alcance da minha vontade. Confesso que a sensação não é nova. Já fora assim uma outra vez num passado não muito remoto. O desemprego tem sido para mim uma espécie de Páscoa: acaba sempre por vir, mas nunca sei bem quando. Só lamento que as comparações entre ambos os termos fiquem por aqui. Afinal, Jesus Cr

Mais alguns conselhos para o annus horribilis e negro e terrível de 2013

Ao nono dia de Janeiro, é mais que provável que o leitor já conheça as “25 ideias para dar a volta a 2013” da revista Visão e as “60 ideias para sobreviver em 2013” da revista do Expresso. Se tem navegado pela internet na última semana, então está inteirado das “10 ideias para ganhar em 2013” do JN e dos dois “Guias Essenciais” para 2013 do Dinheiro Vivo, um dedicado ao que aumenta e o outro aos duodécimos. Caso esteja a seguir tudo à risca, então está a ler este texto às escuras para poupar electricidade, enquanto rega as hortaliças na banheira, a qual deixou de utilizar para não consumir muita água. Se porventura os três colegas com quem divide o seu T1 para conseguir pagar a renda o estiverem a aborrecer, diga-lhes para irem comprar fruta da época de bicicleta ou para apostarem nas moedas da América Latina, que este ano serão um investimento seguro. Entretanto, a Direcção Geral de Saúde não quis ficar de fora e deixou-nos as suas tábuas com as “dez decisões alimentares para