Campanha autárquica em fascículos

Observando a lei à risca, a Comissão Nacional de Eleições obrigou os órgãos de comunicação social a dar um tratamento igualitário a todas as forças políticas envolvidas nas autárquicas de 29 de Setembro. Perante uma decisão tão sensata e democrática, qual foi a reacção os jornalistas? Abraçaram-se em júbilo e arrancaram país fora de bloco e microfone em riste, felizes por darem o mesmo espaço mediático a todas as campanhas? Nada disso. Ficaram descontentes, alegando, imagine-se, que a cobertura eleitoral se transformou numa tarefa humanamente impossível.

Trata-se, como já devem ter percebido, de uma desculpa de gente preguiçosa que prefere estar repimpada no fresco climatizado das redacções do que ir para o terreno trabalhar. Acontece que eu tenho comigo os números que deitam por terra as suas lamúrias ociosas. Antes disso, devo esclarecer o seguinte ponto: para que o igualitarismo partidário seja observado em sentido literal, os jornalistas não podem restringir a cobertura eleitoral apenas às capitais de distrito – devem também entrar pelo país rural adentro. Posto isto, vamos então aos dados: em Portugal existem 308 municípios e a singela quantia de 3091 freguesias. Se nos cingirmos apenas aos cinco partidos que têm assento parlamentar, verificamos então que há 1540 e 15455 candidatos às câmaras e juntas, respectivamente. Portanto, se as rádios e televisões derem, vamos lá, dois minutos por dia a cada um, chegamos a um total de 33990 minutos. Ou seja, apenas precisam de pouco mais de 23 dias diários para cumprirem a imposição da Comissão Nacional de Eleições. Se os jornais, por sua vez, dedicarem meia folha às 16955 candidaturas, necessitarão somente de escrever umas risíveis 8477 páginas e meia, podendo a outra metade ser dedicada aos incêndios, por exemplo. Em suma, estamos a falar de um trabalho corriqueiro, perfeitamente ao alcance do mais incipiente plumitivo. Além disso, contribui para o desenvolvimento da indústria de celulose no país, visto que os diários vão passar a ter a espessura de uma versão extra longa do Guerra e Paz.

Para cumprir com eficácia igualitária a sua tarefa, talvez a imprensa deva fazer uma parceria com o Planeta DeAgostini para que o dia a dia das candidaturas seja lançado em fascículos. O primeiro até poderá ser gratuito e vir com a indispensável caixa arquivadora mais um poster dos candidatos à Junta de Freguesia de Vilarelho da Raia. Quanto às televisões, talvez seja indicado convidar o Manoel de Oliveira para ajudar na cobertura, uma vez que é a pessoa mais habituada a lidar com longas-metragens em Portugal. 

O único problema que descortino na decisão da Comissão Nacional de Eleições é a hipótese, remota é certo, de em 2055 a comunicação social ainda estar a fazer a cobertura das autárquicas de 2013. Bem sei que estou a ser pessimista, mas a habitual preguiça dos jornalistas pode levá-los a faltar ao cumprimento dos seus deveres em tempo útil. Se o meu receio vier a confirmar-se, é provável que aconteçam episódios bizarros como o seguinte:

Jornalista: Estamos em directo do cemitério de Bordonhos onde reside o candidato do Partido pelos Animais e pela Natureza à presidência da Junta de Freguesia local. Segundo consegui apurar, mudou-se para aqui em 2045, portanto há cinco anos, por motivos de ordem biológica, de acordo com as palavras de algumas das 200 pessoas que habitam a aldeia. Apesar da nossa insistência, o candidato ainda não nos disse quais as propostas que tem para mudar Bordonhos em 2013. Vamos então fazer uma nova tentativa... Não, continua a não querer responder, o que é uma situação que se lamenta, visto que quem perde são as pessoas que nos seguem a partir de suas casas. De facto, há candidatos que fazem tudo para que não cumpramos a imposição da Comissão Nacional de Eleições. Resta-me passar a emissão para o estúdio.

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