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Sai um prato de tofu com ovo a cavalo

O reitor Amílcar Falcão anunciou que a partir de 2020 as cantinas da Universidade de Coimbra deixarão de ter carne de vaca na ementa. O anúncio provocou de imediato uma saraivada de críticas e vozes indignadas. É normal. Se tivesse dito que iria subir as propinas para dez mil euros ou incendiar a biblioteca com a tuna académica lá dentro, provavelmente não teria corrido tanta tinta, mas quando se toca num dos esteios da identidade nacional, aí os portugueses sublevam-se. Pelo direito ao tornedó de novilho são capazes de invadir a Argentina. Como escreveu Miguel Esteves Cardoso na crónica Almoço, “ em matéria de afectividade, os portugueses guardam aos víveres uma ternura igual àquela que outros povos destinam ao Bambi. O português não chora tanto ao ver morrer a mãe do Bambi como choraria se ela estivesse estufada em vinho tinto com batatinhas a murro.” Devido à sua actualidade, é um exercício inútil procurar antever o impacto que esta medida terá no futuro. Por essa razão, vou f

Precisamos de mais turistas em Lisboa

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Neste momento há para cada turista em Lisboa um crítico. Alguém que tira uma selfie num miradouro enquanto se deleita com o sunset, bebe um gin cor-de-rosa com bagas de cardamomo num rooftop ou simplesmente fala num idioma estrangeiro é de imediato zurzido por um nativo. Tornou-se num desporto nacional. Eu próprio o pratico com frequência. Sobretudo quando pago um euro pelo café ou tenho de me transformar no Paulinho Santos do metro e fracturar dois ou três maxilares para conseguir entrar nas carruagens apinhadas. Há, contudo, algumas vantagens em termos Lisboa enxameada de turistas. Em primeiro lugar, pedir indicações tornou-se mais fácil. O risco de perguntarmos onde fica determinada rua, jardim ou museu a um habitante local diminuiu drasticamente. Como é sabido, o lisboeta conhece apenas o local onde vive e onde trabalha. Tudo o resto é-lhe tão desconhecido como o planeta Marte. Alguém que vive em Alfama e trabalha em Picoas ignora em absoluto a existência da Basílica da Es

Desculpe, mas não me lembro

A minha avó, uma respeitável nonagenária, troca amiúde os nomes dos netos e dos bisnetos. Outras vezes anda numa roda-viva à procura das chaves de casa. Normalmente estão na mala ou nos bolsos do casaco, apesar de ela jurar que procurara aí vezes sem conta. São situações que a transtornam. Com o intuito de a animar, mostro-lhe as comissões parlamentares de inquérito para que veja como há pessoas neste país com metade da sua idade em muito pior situação. “Estás a ver? Tu pelo menos nunca te esqueceste de pagar o que devias ao senhor da mercearia”, digo-lhe. É remédio santo: não só se sente revitalizada como até promete uma dúzia de pai-nossos e ave-marias em honra de Nossa Senhora da Boa Memória se refrescar a cabeça daqueles senhores engravatados que desfilam pelo ecrã. Não sei bem que fenómeno se passa nas comissões parlamentares de inquérito, mas talvez fosse bom mandar lá um geólogo para averiguar se no subsolo não passa um afluente do Letes, o rio do esquecimento. A última vít

Se tiver dívidas ao fisco, não conduza

Há alguns séculos era comum os incautos viajantes serem abordados por salteadores de estrada que lhes gritavam, enquanto brandiam um revólver: “A bolsa ou a vida!”. Hoje em dia, os automobilistas correm o risco de ser interpelados por funcionários do fisco que os ameaçam empunhando um portátil: “A regularização das dívidas ou a penhora do carro!” Como é óbvio, há uma certa diferença entre as duas situações. Apesar de tudo é muito melhor perder a vida do que cair nas garras do fisco português. Além disso, na primeira situação a pessoa ainda tem a esperança de que as autoridades apareçam à última hora e prendam os meliantes; já no segundo caso, os Bonnie and Clyde lusitanos formam uma quadrilha com a polícia. Depois dos radares e dos condutores que não saem da faixa do meio, não cometerei nenhuma heresia se considerar o fisco no asfalto o terceiro cavaleiro do Apocalipse Rodoviário anunciado nas Escrituras. Por essa razão, desde o início desta semana só pego nas chaves do carro depo