Precisamos de mais turistas em Lisboa
Neste
momento há para cada turista em Lisboa um crítico. Alguém que tira uma selfie
num miradouro enquanto se deleita com o sunset, bebe um gin cor-de-rosa com bagas
de cardamomo num rooftop ou simplesmente fala num idioma estrangeiro é de
imediato zurzido por um nativo. Tornou-se num desporto nacional. Eu
próprio o pratico com frequência. Sobretudo quando pago um euro pelo café ou
tenho de me transformar no Paulinho Santos do metro e fracturar dois ou três
maxilares para conseguir entrar nas carruagens apinhadas.
Há, contudo, algumas vantagens em termos Lisboa enxameada de turistas. Em primeiro lugar, pedir indicações tornou-se mais fácil. O risco de perguntarmos onde fica determinada rua, jardim ou museu a um habitante local diminuiu drasticamente. Como é sabido, o lisboeta conhece apenas o local onde vive e onde trabalha. Tudo o resto é-lhe tão desconhecido como o planeta Marte. Alguém que vive em Alfama e trabalha em Picoas ignora em absoluto a existência da Basílica da Estrela ou da Rua do Ouro. Entre um lisboeta e um turista vindo das profundezas das estepes russas, não se deve hesitar em perguntar a este qual o melhor caminho para chegar à Praça do Comércio ou a qualquer outro ponto da cidade.
O próprio país é igualmente um lugar
estranho para o lisboeta. Sabe que existe, mas olha-o por cima do ombro, com
uma certa condescendência paternalista. Para si, quem não pode passear aos
fins-de-semana em centros comerciais gigantescos e empanturrar-se com pipocas
adocicadas e baldes de coca-cola em salas de cinema faz parte obviamente de uma
civilização inferior. Além do Porto, descobre sazonalmente o interior, através
das notícias sobre os incêndios, e o Algarve, onde vai passar a sua quinzena de
férias. Para facilitar a sua localização geográfica, o lisboeta divide o país
entre norte e sul, que são de resto os únicos pontos cardeais que
conhece. Um habitante de Vila Franca de Xira vive no norte e um habitante
de Évora vive no sul. Se se encontrar com alguém de Melgaço é provável que
pense que vive no círculo Polar Árctico e que lhe pergunte por pinguins e ursos
polares. Já o turista é alguém que conhece de facto Portugal e a quem podemos
pedir conselhos, porque leu sobre isso antes de entrar no avião ou porque já
visitou as suas diferentes regiões e palmilhou as suas montanhas.
Outra vantagem de termos hordas de
turistas a serem despejados diariamente na Portela é o facto de trazerem um
conceito novo para a cidade: a utilização dos passeios para andar. É
refrescante ver pessoas a usar as pernas para se locomoverem de um lado para
outro e a pisar alegremente a calçada portuguesa, parando a cada cinco minutos
para tirar mais uma fotografia ao Tejo ou para comprar pastéis de nata com
queijo da serra. Esta forma de estar é profundamente disruptiva para os hábitos
dos lisboetas que se deslocam de carro para todo o lado, independentemente de a
viagem ser até ao local de trabalho ou ao outro lado da rua para comprar
tabaco. De preferência vão montados em grandes jipes que é, como se sabe, o
meio mais indicado para se movimentarem numa cidade como Lisboa, sobretudo
quando precisam de subir o lancil dos passeios para estacionarem. Se
conseguirem abalroar um ou outro turista distraído com mais uma selfie enquanto
fazem marcha-atrás, então têm o dia ganho.
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