Sai um prato de tofu com ovo a cavalo

O reitor Amílcar Falcão anunciou que a partir de 2020 as cantinas da Universidade de Coimbra deixarão de ter carne de vaca na ementa. O anúncio provocou de imediato uma saraivada de críticas e vozes indignadas. É normal. Se tivesse dito que iria subir as propinas para dez mil euros ou incendiar a biblioteca com a tuna académica lá dentro, provavelmente não teria corrido tanta tinta, mas quando se toca num dos esteios da identidade nacional, aí os portugueses sublevam-se. Pelo direito ao tornedó de novilho são capazes de invadir a Argentina. Como escreveu Miguel Esteves Cardoso na crónica Almoço, “em matéria de afectividade, os portugueses guardam aos víveres uma ternura igual àquela que outros povos destinam ao Bambi. O português não chora tanto ao ver morrer a mãe do Bambi como choraria se ela estivesse estufada em vinho tinto com batatinhas a murro.”

Devido à sua actualidade, é um exercício inútil procurar antever o impacto que esta medida terá no futuro. Por essa razão, vou fazê-lo. Se a decisão do reitor vingar, creio que em breve só os estudantes vegetarianos tentarão entrar na Universidade de Coimbra. Por esse motivo, receio que as praxes se tornem ainda mais humilhantes. Provavelmente o caloiro será obrigado a comer um bife da vazia de joelhos e de olhos vendados ou um hambúrguer com dois palitos. Para que o achincalho seja completo, os veteranos obrigá-los-ão a vestirem-se de campinos e pastores e a envergar uma tarja com a palavra “Vacaholocausto”. No desfile pelas ruas da cidade, terão de parar em cada talho e simular sexo com uma perna de borrego e no final beber um batido de proteína animal.

Não me parece, contudo, que este maremoto vegetariano se restrinja a Coimbra. Dentro de pouco tempo, quem for apanhado a comer um bife de vaca será olhado de soslaio e vítima de comentários depreciativos. As fundações seculares da sociedade portuguesa serão então abaladas como não acontecia desde a criação do pastel de bacalhau recheado com queijo da serra. Nas escolas, por exemplo, as traseiras dos pavilhões deixarão de ser utilizados para fumar e namorar longe dos olhares de pais e professores. Empanturrados de tanto seitan e a arrotar rebentos de bambu, os alunos mais rebeldes passarão a encontrar-se aí com uma marmita cheia de almôndegas ou de strogonoff de vaca para partilharem entre eles. No final, mascarão pastilhas de mentol para disfarçar o hálito a carne. As mães mais desconfiadas examinarão os dedos dos filhos à procura de resquícios de gordura animal. “Diz-me a verdade José Filipe, andaste outra vez a comer picanha com os teus amigos, não foi?”, perguntarão os progenitores.

As finanças nacionais também sofrerão bastante com a mudança dos hábitos alimentares dos portugueses. O caso mais sintomático será o colapso económico da Mealhada. Antevejo um fecho em cadeia dos restaurantes e a tomada da cidade pelos porcos, a não ser que alguém a consiga converter rapidamente na capital da quinoa à bairrada.

Quanto às vacas, não lhes restará outra solução se não abandonar o país. Será um êxodo bovino nunca visto, o que provavelmente obrigará Espanha a introduzir controlos nos prados transfronteiriços. Nessa altura, a oposição dirá que este país nem para o gado vacum serve.

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