Bacalhau: 365 maneiras de aditivá-lo


Os portugueses têm capitulado em várias frentes de guerra. Foram espezinhados pelo galope incessante do desemprego, abalroados pela avalancha inexorável do défice e trespassados pela lança infindável da austeridade. No entanto, nada os preparou para a humilhação que se avizinha: a derrota na contenda do bacalhau frente à Dinamarca, Islândia e Noruega.

Na verdade, contra a vontade de Portugal, o triunvirato nórdico está perto de ver aprovada a introdução de aditivos alimentares na secagem do bacalhau por parte da União Europeia. Para ser mais específico, os pomos da discórdia são os polifosfatos E-450, E-451 e E-452, os quais podem adulterar o sabor do fiel amigo. Portanto, depois da gasolina, o símbolo maior da cozinha portuguesa corre o risco de ser igualmente aditivado. Face a este cenário, não me admira que, em breve, as peixarias comecem a comercializar Bacalhau GForce. Ao contrário do bacalhau tradicional, aquele deverá aumentar a performance do estômago no processo digestivo, optimizar os movimentos peristálticos do intestino delgado e reduzir a concentração de notas nas carteiras dos consumidores. Mais tarde, poderá mesmo surgir o cartão de pontos Bacalhau Frota, através do qual será possível amealhar descontos nas secções de frutas e legumes de qualquer praça do país.

Com a iminente adulteração do sabor do bacalhau, as pessoas questionam-se, apreensivas, sobre o que virá a seguir. Será que vão aparecer sardinhas embebidas em polissorbatos E-432 e E-433 ou alheiras de ésteres E-472a e E-472b? Por este caminho, os restaurantes terão de substituir os menus por catálogos de aditivos alimentares e distribuir à entrada máscaras de protecção química. Antevejo mesmo uma profunda alteração nos diálogos entre clientes e empregados de mesa:

- Boa tarde.
- Boa tarde. Quais os aditivos alimentares do dia?
- Ora hoje temos Carragenina E-407 estufada acompanhada com batatinhas de Alginato de Potássio E-402. Temos ainda Conchonilha E-120 no forno com arroz de Licopeno E-160d.
- Pode ser a Carragenina E-407, mas bem passada se faz favor, porque a última que comi deixou-me com manchas verdes na pele.
- Sim senhor. Para beber recomendo-lhe o vinho da casa.
- Vinho da casa? É feito com que aditivos?
- Bem, este vinho é feito de maneira rústica. É composto sobretudo por sumo de uva fermentado.
- Sumo de uva? Vai-me dizer que o vinho da casa é feito com um produto natural sem conservantes, corantes, antioxidantes ou edulcorantes? Desculpe, mas eu não almoço nesta estrebaria! Onde é que isto já se viu? Vou já telefonar ao Laboratório Nacional de Química para fazer de imediato uma vistoria a este restaurante.

Claro que nem tudo é mau. Talvez agora os portugueses deixem de incluir o bacalhau nas suas refeições. O que é uma decisão inteligente, diga-se. Não só por causa dos polifosfatos, mas também porque se trata de um peixe que vive acima das possibilidades da maioria das pessoas. Na verdade, só a propensão para o esbanjamento pode explicar o facto de terem como baluarte gastronómico um animal que vive a milhares de quilómetros de distância. Trata-se de um luxo inaceitável nos tempos actuais, um resquício dos tempos dourados em que viviam com desafogo e olhavam o futuro com confiança. Refiro-me, como é evidente, ao período compreendido entre 1114 e 1126.

O mais sensato será transformar a tainha na principal referência da gastronomia nacional. Além de barata, está mais de acordo com o dia-a-dia dos portugueses: consegue viver em ambientes pouco salubres e aproveita todos os restos para não passar fome. Em nada tem a ver com a opulência do bacalhau, alimentado a arenque nas sumptuosas águas do Atlântico Norte. Sirva-se, portanto, tainha à Zé do Pipo de agora em diante.

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