O Presidente-Fortaleza

Elvas tem andado sobressaltada. Acorda todas as noites, insone, com olheiras fundas. E o caso não é para menos. O Presidente da República teve a desfaçatez de a eleger como anfitriã das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Antes de avançar, a frase anterior carece de várias rectificações. Em primeiro lugar, a expressão 'comemorar Portugal' tresanda a excentricidade. Quem é que comemora Portugal em 2013? Provavelmente apenas quem não tem sensibilidade social ou é banqueiro, passe a redundância. No fundo, comemorar Portugal é o equivalente a celebrar o desastre de Chernobyl, embora neste caso as consequências para a saúde  tenham sido bem menores do que viver em Portugal no século XXI. Portanto, talvez seja mais apropriado afirmar que o 10 de Junho é o dia da lamentação de Portugal. Claro que o nome próprio Portugal também causa engulhos a todos os zelotas do rigor. Como devem estar recordados, é um vocábulo que caiu em desuso a partir de 2011. Para sermos exactos, devemo-nos referir ao 10 de Junho como o Dia da Lamentação do Fundo Monetário Internacional, do Banco Central Europeu e da União Europeia, de Camões e das Comunidades do Fundo Monetário Internacional, do Banco Central Europeu e da União Europeia. Assim é que está correcto. Admito que é um bocado longo e, além disso, alguns picuinhas podem sempre alegar que Camões também deveria ser substituído, por exemplo, por Goethe. No entanto, até ordens em contrário de Angela Merkel fica como está.

Voltemos então ao assunto que nos trouxe aqui. Como o leitor sabe, Elvas deve a sua fama ao facto de ser a cidade mais fortificada da Europa. Por essa razão, ostenta o cognome de Rainha da Fronteira, o que deixa os elvenses ufanos. Estes, no entanto, não andam descansados na sua tradicional ufania. Pressentem que, oculto pelo manto do 10 de Junho, o Presidente da República prepara-se para roubar esse título à cidade e transferi-lo para o Palácio de Belém. E, diga-se, tem toda a legitimidade para o fazer. Se não vejamos: as muralhas da urbe alentejana repeliram exércitos invasores constituídos por dezenas de milhares de soldados que tentaram conquistá-la há alguns séculos; os muros do Palácio de Belém têm mantido à distância 10 milhões de portugueses que tentam todos os dias que Cavaco Silva se pronuncie sobre o agravamento da crise; para derrotar os seus inimigos, Elvas contou com as maiores fortificações abalaurtadas do mundo e com a ajuda do exército português e da sua população; para refrear a sanha dos portugueses, o Palácio de Belém conta com um casal de septuagenários, irredutíveis no seu silêncio, cortado de quando em vez por comentários no facebook e observações descontextualizadas.

Agora que o confronto entre ambos se aproxima, o Presidente da República deverá crivar Elvas precisamente com uma infindável saraivada de declarações despropositadas para que lhe entregue o título de cidade mais fortificada da Europa. Para quem duvida do seu poder bélico, basta que recorde a forma como ludibriou os portugueses na questão sobre a limitação dos mandatos autárquicos, ao assinalar magistralmente a diferença entre as preposições de e da. Nada o deterá, portanto, no seu desiderato de reduzir a pó as muralhas que for encontrando na sua marcha triunfal. Prevejo mesmo uma hecatombe, caso traga à liça o facto de Elvas estar a uma letra de distância de se chamar Relvas. A partir deste ponto, creio que a cidade deixará de ter condições anímicas para continuar a resistir.

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