Se isto é um desempregado
A
actual guerra dos números relativos ao desemprego teve o mérito de trazer de
novo para a ribalta uma questão que tem ocupado e angustiado a humanidade desde
os seus primórdios. É algo que nos desaloja das nossas certezas e que nos obriga
a repensar o nosso lugar no mundo. Como já devem ter calculado, essa questão é
a seguinte: o que é um desempregado?
Apesar
do desafio gigantesco de encontrar uma resposta completa e definitiva, o PS não
se atemorizou e, através de um simples cartaz, conseguiu demonstrar de forma
categórica que, pasme-se, um desempregado não é um empregado. Trata-se de um
progresso enorme para a ontologia do desempregado e que nos permite desde já elaborar
com segurança o seguinte raciocínio lógico: Todos os empregados não são desempregados.
Maria João não é desempregada. Logo, Maria João é empregada. É uma certeza que
reconforta, mas ainda insuficiente, porque esclarece somente aquilo que o
desempregado não é.
Felizmente,
o Instituto Nacional de Estatística foi mais longe e, segundo a Visão, define
um desempregado como “uma pessoa entre os 15 e os 74 anos que reúne todas estas
condições: não tem trabalho remunerado, procurou emprego ao longo de um
determinado período e está disponível para trabalhar”. Já o Instituto de
Emprego e Formação Profissional (IEFP), de acordo com a mesma fonte, é mais restrito,
definindo o desempregado apenas como “o número de pessoas que estão inscritas
nos centros de emprego”.
É partir
daqui que começam a surgir vários pomos de discórdia e outras tantas dúvidas
nesta apaixonante refrega filosófica: será que alguém que seja
passivo, mas que esteja inscrito no centro de emprego poderá ser considerado um
desempregado? Ou será que o acto de inscrição implica tacitamente uma acção,
tornando necessariamente o desempregado em activo, o que valida as duas
definições apresentadas? E o que dizer de um adolescente de 15 anos que tenha procurado
trabalho entre os 13 e os 14? Será que reúne as valências necessárias para ser
um desempregado de pleno direito? E uma pessoa que esteja inscrita no centro de
emprego enquanto trabalha em part-time sem contrato? Está ou não englobada na
definição de desempregado defendida pelo IEFP? São questões que merecem ser
estudadas com tempo e de forma aprofundada, tal a complexidade que encerram. Não
admira, portanto, que haja tantas discrepâncias no número de desempregados, uma
vez que ainda estamos tão longe de perceber o que são realmente.
O
governo, no entanto, tem sido um acérrimo opositor deste debate, como se viu no
convite que endereçou aos desempregados para emigrarem. Nos últimos quatro
anos, 200 mil, na sua maioria jovens, seguiram o seu conselho, privando-nos de
matéria-prima essencial para uma análise ontológica mais aprofundada da essência
do desempregado.
Como
se não bastasse, Passos Coelho e Paulo Portas estão empenhados em desenvolver
um conceito antagónico ao do desempregado, cujo nome é desencorajado. Segundo
esta nova corrente de pensamento, um desencorajado não pode ser considerado um
desempregado, uma vez que é alguém que não está inscrito no centro de emprego e
que desistiu de procurar trabalho, sendo, portanto, passivo.
Mais
do que a questão filosófica em torno da ontologia do desempregado, a
preocupação de ambos é conseguir aumentar o número de desencorajados em
prejuízo dos desempregados para efeitos meramente eleitoralistas. Para isso
contam com a inestimável colaboração de muitas empresas, cujos anúncios de
emprego quase nos fazem ter saudades dos tempos da escravatura. Os responsáveis
pelos recursos humanos também têm sido incansáveis no árduo trabalho de não
responder às candidaturas dos desempregados que, assim, vão engrossando o
número de desencorajados.
Com
as eleições a mês e meio de distância, é quase certo que o governo quer compor
ainda mais o número oficial de desempregados. Uma das medidas para o conseguir
será a substituição dos ineficazes centros de emprego por centros de desencorajamento,
onde o desempregado receberá conselhos úteis para deixar de procurar trabalho.
O dia-a-dia nestes novos centros poderá ser
como se segue:
- Bom
dia, João. Por favor sente-se. Vejo aqui no seu currículo que tirou uma
licenciatura em engenharia ambiental. O que é que espera fazer com isto?
-
Bem… gostava de conseguir trabalhar num centro de investigação ambiental ou num
laboratório.
-
Muito bem… Estou a ver que aos 23 anos ainda acredita em histórias da
carochinha. Com esta idade e com esta licenciatura, o senhor está condenado ao
desemprego para o resto da vida! Porque é que não fica antes em casa sossegado e
deixa de nos estragar a taxa de desemprego?
-
Mas eu ainda sou novo e não me importo de fazer o que quer que seja, mesmo com
um ordenado baixo.
- Não
me diga que quer aceitar propostas miseráveis em que ganha três euros à
hora. Deixe de ser lírico! Diga-me lá: é mesmo isso que quer? Quase aposto que
a empregada dos seus pais ganha o dobro disso e nem a quarta classe tem! Foi
para isto que andou a estudar anos e anos para agora ganhar menos que uma
iletrada? É óbvio que não! Deixe de procurar emprego e fique em casa
sossegadinho que lá é que está bem. Vamos, desencoraje-se! Admita que a sua vida está
perdida! Vá lá para casa pensar no que lhe disse e, acima de tudo, não se esqueça de manter esse desencorajamento em alta, porque o governo e o país
agradecem. Fico aqui a torcer por si.
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