Ainda agora começou e já suspiro por 2018

Caro Presidente da República,

O senhor estragou-me o ano. Bem sei que estamos no início, mas daqui em diante pouco mais me resta do que engonhar até chegar 2018. A razão do meu fastio será decerto a mesma de tantos outros portugueses, pelo que seria despiciendo estar a enunciá-la. Mas para memória futura e para que não se volte a repetir semelhante situação, irei fazê-lo.

No dia 1 de Janeiro, a seguir ao jantar, recostei-me comodamente no sofá, enquanto contava os minutos para o início do seu discurso de ano novo. “Que novas calamidades, tragédias e depressões irá ele anunciar?”, perguntava-me, com uma impaciência difícil de conter. “Será a vinda do diabo ou regresso do FMI? E qual é a diferença entre ambos? Será ao nível das malfeitorias que se distinguem?”, filosofava, actividade a que me presto amiúde durante a digestão.

Bastou, no entanto, ouvi-lo durante um minuto para me sentir defraudado. Por momentos, ainda pensei que na noite anterior tivesse apanhado por engano um táxi para a Escandinávia e que, sem dar por isso, estivesse em Estocolmo a ouvir o Presidente da Suécia a discorrer sobre esperança e um futuro promissor. Infelizmente, a minha ilusão esfarelou-se assim que cometi o erro de afastar o cortinado e ver as marquises em alumínio no prédio do outro lado da rua. Estava mesmo em Portugal.

Quem é que o senhor pensa que é para fazer um discurso deprimentemente optimista? Com que atrevimento é que ousou falar de balanço positivo em 2016? Onde é que foi buscar tanto descaramento para dizer que acabámos o ano a acreditar no melhor? Nem no Black Friday fui enganado desta maneira, senhor presidente! É nestes momentos que mais sinto falta de um Paquete de Oliveira para as mensagens de ano novo. De certeza que o obrigaria nos sete minutos e quarenta segundos que durou o seu discurso a fazer pelo menos uma referência à potencial situação explosiva que ameaça o país. Ou ao desemprego galopante que leva milhares de jovens a emigrar. Ou então ao risco de instabilidade política, financeira e social que põe em causa a nossa continuidade na zona euro e no próprio cosmos.

Isso sim, estaria em linha com as boas e tradicionais mensagens do 1 de Janeiro, as quais me faziam ressacar pessimismo e autocomiseração pela bílis durante o resto do ano e andar de café em café a zurzir no país que não avança e nos políticos que nada fazem. O que é que faço agora com todo este optimismo e esperança? Quem é que vou culpar se mais uma vez não cumprir as resoluções de novo ano? E o que irá acontecer ao Medina Carreira e ao Vasco Pulido Valente?

Além disso, a maneira como comunica é demasiado espaventosa. Tantos gestos e modulações de voz deixaram-me tonto e com saudades do estilo esfíngico e hirto do anterior inquilino de Belém. Tenho a sensação que passei subitamente de um filme do Manoel de Oliveira para o Fast and Furious XIV. 

Face ao exposto, senhor presidente, exijo um pedido de desculpas da sua parte e que volte a fazer um discurso de ano novo mais consentâneo com a gravidade do momento. Deixe-nos deprimir com a mesma alegria dos anos anteriores, senhor presidente! O país do fado e da tristeza, no qual me incluo, agradecem.

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