Menos Dalai Lama e mais offshores
É famosa a resposta de George Mallory quando
lhe perguntaram por que razão queria escalar o Evereste: “Porque está lá.”
Também poderíamos responder exactamente o mesmo se nos questionassem sobre o
motivo de ainda nos indignarmos com as offshores: “Porque estão lá.” E talvez acrescentássemos
com um encolher de ombros: “É assim. Não há nada a fazer.” São evidências como
estas que nos confrontam com a nossa pequenez e impotência em alterar a ordem natural
das coisas. Por muito que nos custe admitir, o Homem é apenas um joguete das
forças da Natureza que tanto são capazes de criar num dia montanhas gigantescas
e, no outro, paraísos fiscais.
Apesar de ombrearem em termos de beleza e de
monumentalidade, parece-me que atingir o cume de uma montanha com quase nove
mil metros de altura é relativamente mais simples do que abrir conta numa
offshore. Perder o nariz enquanto se sobe o Evereste é uma brincadeira de
crianças quando comparado com as terríveis dificuldades em ter um saco azul nas
Ilhas Bermudas ou uma empresa de fachada no Liechtenstein. Na verdade, todo aquele
que deseja iniciar a sua demanda do paraíso fiscal necessita de uma grande
preparação material e, simultaneamente, de um absoluto despojamento de todo e
qualquer bem espiritual, ético e moral. O paraíso fiscal é, portanto, o negativo
do paraíso cristão. “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do
que um rico entrar no Reino dos Céus”, disse Jesus aos seus discípulos. Ao
invés, nas offshores é mais fácil passarem incólumes dez mil milhões de euros
pela Autoridade Tributária e Aduaneira do que um pobre abrir um apartado fiscal
na Mossack Fonseca.
A formação natural das offshores provoca a
mesma reacção em nós que o pôr-do-sol: por mais vezes que o vejamos, ficamos
sempre espantados. A grande diferença é que normalmente não nos indignamos
quando o astro rei se afunda no horizonte; já com os paraísos fiscais há
sempre um certo agastamento que, por norma, desaparece após alguns minutos. O
processo é normalmente este: “Há uma offshore nas Ilhas Virgens? A sério? Não
fazia a mínima ideia. O quê? O Ronaldo e o Messi põem lá dinheiro para fugir
aos impostos? É uma vergonha! É tudo uma cambada de gatunos! É verdade, a que
horas passa o Real Madrid-Barcelona?”
Por muita revolta que nos cause, há um aspecto
positivo que nunca foi aflorado pelos especialistas na matéria: nos locais onde
a Natureza cria paraísos fiscais, raramente há guerra. É por de mais conhecida
a neutralidade da Suíça, as ilhas do Canal também não são propriamente uma
ameaça à paz mundial e mesmo os Estados Unidos não têm um conflito em larga
escala no seu território desde o século XIX. Ao contrário dos direitos humanos
dos humanos, os direitos humanos do dinheiro têm sido exemplarmente observados
em todo o mundo. Não me recordo da última vez que o Dinar foi vítima de perseguições
políticas ou de a Libra ter sido descriminada pelas suas crenças religiosas. Infelizmente, a Amnistia Internacional tem sistematicamente ignorado estes factos nos relatórios
que publica.
Parece-me, portanto, que a única solução para
o conflito israelo-árabe passa pelo aparecimento de paraísos fiscais entre
Ramallah e Telavive. Talvez assim o governo israelita pense nos apartados
fiscais e nas contas bancárias que poderão ficar desalojadas antes de mandar
invadir mais um pedaço de território palestiniano; por outro lado, o Hezbollah
poderá reconsiderar a sua decisão de lançar roquetes no mercado de Jerusalém ao
lembrar-se dos inocentes fundos financeiros que repousam em offshores hebraicas
e que nada têm que ver com o conflito. No dia em que tal acontecer, ninguém
tirará o Prémio Nobel da Paz aos paraísos fiscais. Esperemos que a Natureza
seja misericordiosa connosco.
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