A precariedade é essencial para o jornalismo
A
presidente do Sindicato dos Jornalistas, Sofia Branco, revelou que um terço dos jornalistas ganha menos de 700€ líquidos por mês. É um dado que não pode, nem deve,
deixar ninguém indiferente. Como é que é possível que, em pleno século XXI,
dois terços dos jornalistas continuem a viver acima das suas possibilidades e
que alguns deles tenham mesmo contractos sem termo? Será que um dia chegaremos
ao absurdo de vermos jornalistas a receberem pelas horas extraordinárias que
fazem?
Muitos
defendem que a suposta precariedade dos jornalistas deve-se à ausência de um modelo de negócio sustentável. É um argumento pouco atendível, sobretudo quando
olhamos para o nosso comportamento, enquanto consumidores de notícias. De uma
forma geral, compreendemos a importância do jornalismo e temos sempre à mão de
semear uma frase pronta a incensar as suas nobres virtudes. À míngua de
originalidade, há quem se fique pela clássica afirmação de que o jornalismo é o
quarto poder. Já outros preferem dizer, em jeito de alerta, que sem um
jornalismo forte e independente, não existe democracia. Como seria de esperar,
perante uma actividade profissional tão importante para a nossa sociedade, o
nosso comportamento pauta-se por comprarmos cada vez menos jornais, não vermos
notícias na televisão, não pagarmos por conteúdos noticiosos na internet, não
aceitarmos publicidade e ficarmos indignados pela pouca profundidade e
qualidade do jornalismo. No fundo, comportamo-nos como um indivíduo que entra
numa marisqueira, pede os pratos mais caros, os melhores vinhos, sobremesa,
digestivo e no final não só se recusa a pagar, como ainda pede o livro de reclamações
porque a sapateira tinha um sabor esquisito. Perante isto, é difícil
compreender como é que o jornalismo não consegue ser rentável.
Ter jornalistas
que ganham menos de 700€ mensais e com contractos de seis ou três meses de
duração são condições essenciais para ter uma comunicação social robusta e
independente. O excesso de dinheiro tem um efeito inebriante, tirando-nos o
foco daquilo que é essencial. José Sócrates que o diga. Provavelmente teria
sido um primeiro-ministro muito melhor se se tivesse concentrado exclusivamente
na governação do país em vez de perder tempo a ajudar o amigo a gerir (e a gastar) o seu
dinheiro.
O adágio o pior
inimigo é aquele que nada tem a perder encerra um manancial de sabedoria que
merece ser tido em consideração para este caso. Se o salário dos jornalistas
for ainda mais vampirizado, qualquer tipo de pressão que lhes possam fazer não
surtirá efeito. O que dirá um banqueiro que esteja a ser investigado (vamos
fantasiar) por branqueamento de capitais a um jornalista que ganha 300€ por mês
a recibos verdes? Que lhe vai riscar o carro? É absurdo, porque o jornalista
não tem dinheiro nem para manter uma segway e só anda de transportes públicos quando é
mesmo necessário. Que lhe vai assaltar a casa? Também não serve, porque vive há
anos num T0 alugado sem mobília. Que lhe vai raptar os filhos? É ainda mais
disparatado, porque o jornalista adiou o plano de ter filhos para o dia em que
for aumentado para 500€, o que deverá acontecer dentro de 30 anos. Que lhe vai
tirar a vida? É ridículo: se a ideia é fazê-lo sofrer, mais vale deixá-lo vivo.
Só com salários ainda mais baixos e vínculos laborais precários poderemos
sonhar não só com um jornalismo gratuito à distância de um clique, tal como
acontece hoje em dia, mas também de qualidade e imune a qualquer tipo de
condicionamentos. Nesse dia, nenhum político ou banqueiro estará a salvo do
rigor das investigações dos jornalistas. Desde que não desfaleçam a meio das
investigações por terem cortado com o pequeno-almoço, almoço e jantar.
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