Touradas com velcro: mariquice ou tortura?

O touro apresenta-se na arena sempre de preto. Nunca veste meias brancas até aos joelhos ou calças justinhas. Também dispensa envergar uma jaqueta cheia de dourados ou um barrete garrido. É uma escolha sensata. Sobretudo para um bicho da sua envergadura que se quer dar ao respeito junto dos seus pares. Por isso, ainda antes de a lide começar, já está em vantagem. E, pensando bem, mesmo no final pode sair de cabeça erguida. Está a sangrar e tem meia dúzia de bandarilhas espetadas no lombo, sim senhor, mas não carrega o vexame de se ter apresentado em público como se fosse para uma festa campino-psicadélica.

Infelizmente, a dignidade do touro corre perigo. Com o argumento de evitar o seu sofrimento, está em discussão a introdução das touradas com velcro em Portugal. Se a ideia for para a frente, o dorso do animal será coberto com esse tecido, assim como as pontas das bandarilhas. O que ninguém diz é que a dor psicológica será certamente bem superior à dor física. Com que cara é que um bicho de meia tonelada chega a casa e conta à sua família que lhe puseram uma mantinha de velcro no lombo? Irá ser escarnecido pela manada para o resto da vida e nenhuma vaca voltará a olhar para ele. “Olhem: ali vai o menino do velcro! Não queres pôr um lenço de seda ao pescoço para não te constipares com o orvalho da manhã?”, dir-lhe-ão os outros touros. Já agora, porque é que não embolam os cornos do touro com protecções lilás ou envernizam os cascos de rosa choque? Se é para humilhar, que humilhem até ao fim.

Temo também que as tradicionais trocas de galhardetes entre pessoas a favor e contra as touradas estejam em risco. Se ambas as partes se puserem de acordo em relação à utilização do velcro, deixarão de fazer sentido e acabarão por se extinguir. O que é pena, uma vez que já faziam parte do folclore tauromáquico. Iremos ficar órfãos da habitual gritaria entre os que consideram a tourada uma barbárie e os que a consideram uma arte? Será que o país conseguirá aguentar os próximos 100 anos apenas com as discussões sobre os incêndios e a localização do novo aeroporto? Não sei. De qualquer maneira, deixo aqui para a posteridade um exemplo da típica altercação sobre as touradas para que possamos, sempre que quisermos, reviver esses bons momentos:

Indivíduo pró-touradas: A tourada é uma tradição e por essa razão deve ser mantida.

Indivíduo contra as touradas: Exacto. Sabes que há 400 anos queimar pessoas na fogueira também era tradição.

Indivíduo pró-touradas: Eh pá, mas o que é que uma coisa tem a ver com a outra? A tourada é uma arte que já vem dos tempos dos nossos reis! Não é qualquer um que sabe fazer uma chicuelina ao touro.

Indivíduo contra touradas: Também não é qualquer um que sabe escolher a lenha certa para incendiar uma pessoa. Há que ter atenção aos ramos – têm de estar secos. Se estiverem verdes, fazem muita fumarada e a pessoa morre asfixiada ainda antes de lhe dar o fogo. A tourada é uma barbárie que provoca sofrimento ao touro. A sua proibição é um progresso civilizacional e…

Indivíduo pró-touradas: Tu por acaso já alguma vez viste uma tourada?

Indivíduo contra as touradas: Não, nem quero ver esse espectáculo bárbaro.

Indivíduo pró-touradas: Então cala-te! Como é que podes ser contra uma coisa se nunca a viste? Não passas de um menino da cidade que não sabe distinguir um touro de um burro. Progresso civilizacional era porem-te no campo a lavrar a terra para aprenderes o que custa a vida!

Indivíduo contra as touradas: No teu caso não me importava que te espetassem um ferro no lombo para saberes a dor que provocas ao animal, meu nazi tauromáquico!

Indivíduo pró-touradas: Estás a chamar nazi a quem, meu beto esterilizado? Tu o que precisavas era de uma bosta de vaca nas fuças para ver se te fazes um homem!

A discussão culminaria com uma bonita cena de pancada. O indivíduo pró-touradas demonstraria o lado artístico da lide com uma irrepreensível pega de caras. Já o indivíduo contra as touradas explicaria a diferença entre progresso e barbárie civilizacional no intervalo de um mata-leão. Pensando bem, talvez seja mais plausível que ambos fossem procurar consolo nas redes sociais. E que depois de o fazerem arrumassem os smartphones nas respectivas bolsas. Com fechos de velcro, para não se magoarem.

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