A independência na ternura dos sessenta
Tenho vinte e seis anos e os meus pais continuam a viver comigo. É uma situação embaraçosa, desconfortável até. Reconheço, não sem amargura, a minha ingenuidade por ter acreditado que, quase na ternura dos sessenta, já fossem independentes num lar de idosos qualquer.
Mas não. Continuam ainda por aqui, na maioria das vezes a azucrinar-me a cabeça com exigências e perguntas de quem julga que tudo lhes é devido e que não têm de lutar por nada. Volta e meia pedem-me ajuda para entrar na internet ou para abrir uma mensagem de email. Além do óbvio fastio de ter de explicar de novo o que lhes ensinara no dia anterior, são dúvidas próprias de quem usa cueiros e bastante inoportunas, porque me obrigam a interromper a série que estava a ver na Fox ou a chegar atrasado a uma jantarada com os amigos.
Quando recebo visitas, o meu desconforto é ainda maior. Como explicar-lhes que os meus pais continuam a viver comigo? É impossível não corar de vergonha quando alguns amigos me dizem que os seus progenitores já se fizeram à vida, deixando-os finalmente livres para o merecido gozo dos poucos anos de juventude que ainda têm pela frente.
De forma desajeitada, tento desculpar-me com a crise e com a dificuldade em integrar as pessoas de meia-idade no mercado de trabalho. No meu íntimo, contudo, sei que a culpa é minha. Estou consciente de que não preparei os meus pais como devia para os duros e exigentes desafios do século XXI. Não soube dar-lhes asas para saírem do ninho e voarem rumo a outros horizontes; não lhes forneci a cana de pesca para que aprendessem a pescar, sozinhos, o alimento de cada dia no rio da vida. Em suma, fui demasiado brando e o resultado está à vista: ainda hoje não sabem distinguir uma Play Sation de um Game Boy ou um Ipad de um Ipod, o que me deixa profundamente desgostoso. Criei dois monstros consumistas que só sabem comprar-me coisas inúteis, como o Mini Cooper azul que me ofereceram no último Natal, quando lhes tinha pedido expressamente um Audi A7 com ar condicionado e computador de bordo. A vida é ingrata.
Epa, isto está muito muito bom!
ResponderEliminarCaí aqui de paraquedas e cheira-me que vou ficar.
Parabéns rapaz
Obrigado. Espero que tenha aterrado bem e que goste da vista que tem da marquise.
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