O espaço-tempo segundo a CP

A CP propôs fazer a ligação da Guarda à Covilhã através de um percurso que demora seis horas e 41 minutos. A notícia, publicada no Jornal do Fundão de 23 de Fevereiro, suscitou, espante-se, críticas acerbadas. Na minha opinião, todas elas carecem de fundamentação e ignoram ostensivamente as evidentes vantagens da decisão da empresa.

Em primeiro lugar, deixo a seguinte questão à jornalista que escreveu o artigo: na perspectiva de quem é que a viagem demora seis horas e 41 minutos? Do maquinista? Do viajante? Do avô que espera o neto na estação enquanto ouve o relato do Sporting da Covilhã? Não se trata de uma interrogação menor, porque escrever simplesmente que um determinado percurso demora muito tempo a ser realizado, demonstra que se andou a fazer gazeta às aulas de física.

Desde o tempo de Albert Einstein que se sabe que um relógio em movimento avança mais devagar que um relógio estacionário. Portanto, para o viajante que saia da Covilhã às 12 horas, o percurso poderá muito bem demorar cerca de uma hora até à Guarda, o que é perfeitamente aceitável. Quanto ao egitaniense que está parado na estação à sua espera, é provável que tenham decorrido as seis horas e 41 minutos, estando assim cinco horas mais velho do que aquele e já com a digestão do almoço feita. A CP, contudo, só tem o dever de salvaguardar a comodidade e rapidez das viagens aos seus passageiros, pelo que não deve ser criticada por quem está no mesmo sítio a acelerar o fluir das horas. Espero que da próxima vez a jornalista tenha mais atenção à relatividade do tempo quando consultar os horários dos comboios.

A dimensão espacial também merece uma análise cuidada perante uma viagem superior a seis horas entre duas cidades separadas por cerca de 50 quilómetros. Atente-se no seguinte: com o novo percurso, a CP tornou a Covilhã mais distante da Guarda de comboio do que Lisboa de Berlim de avião. Parece-me que esta distorção no espaço terá como consequência imediata o facto de muitos progenitores passarem a aceitar a emigração dos filhos sem tristeza ou choros mal contidos.

De facto, não será de estranhar que dentro em breve se ouçam este tipo de desabafos pelas ruas e cafés da Covilhã: “Ainda bem que o meu filho foi trabalhar para a Alemanha. Ao menos só está a três horas de distância de Portugal. Espero que nunca mais volte a ter aquela ideia amalucada de ir lá para a Guarda. Se ele tivesse ido para o outro lado da serra, sabe Deus quando é que o voltaria a ver…”

A distensão do tempo das viagens é também um acto patriótico que zela pela segurança do Presidente da República. Caso esteja na Covilhã e tenha de visitar uma escola na Guarda, deverá escolher a CP como meio de transporte para evitar as ameaçadoras manifestações imberbes. Quando chegar ao destino, provavelmente apenas encontrará as empregadas de limpeza e um ou outro rato de biblioteca.

Por fim, seis horas e 41 minutos é tempo que merece ser aproveitado com qualidade. Sabendo-se que o interior está a envelhecer, a CP tem a obrigação de equipar as carruagens com quartos para usufruto dos passageiros. Com uma jornada tão longa pela frente, é impossível que o mais inepto dos Don Juan não consiga meter conversa com a sua companheira de viagem e contribuir para o rejuvenescimento da região.

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