Previsões, opiniões e factos: vamos dar a César o que é de César

A justiça italiana condenou recentemente sete cientistas a seis anos de prisão por não terem conseguido prever o terramoto que destruiu a cidade de L’Aquila, em 2009. Trata-se de uma notícia reconfortante que demonstra que ainda há sítios no mundo onde a incúria não passa incólume.

Na verdade, esta decisão é não só justa como pedagógica, porque vem pôr em sentido muitos outros charlatães que por aí andam. Estou-me a lembrar, por exemplo, daquelas pessoas que passam o tempo a aparecer na televisão, insufladas de afirmações muito assertivas e juncadas de termos técnicos. Quando as ouvimos até acreditamos nelas, mas logo percebemos o engodo assim que a realidade as desmente de forma categórica. Refiro-me, como já devem ter percebido, aos trabalhadores do Instituto de Meteorologia. Ou muito me engano, ou serão os próximos a ir fazer previsões para os estabelecimentos prisionais, caso continuem a trocar propositadamente o sol pela chuva e vice-versa. É bom que as autoridades andem de olho neste tipo de gente, uma vez que o bem-estar da nossa sociedade depende em grande medida do desempenho honesto e íntegro das suas profissões.

Também os responsáveis pela supervisão financeira na União Europeia e nos Estados Unidos da América foram incapazes de prever em 2008  a crise actual. Neste caso, no entanto, percebe-se a razão. Afinal, os milhares de relatórios, análises e estudos produzidos diariamente ao longo de vários anos foram manifestamente insuficientes para descortinar um fenómeno que, por muito que nos custe aceitar, escapará sempre ao controlo do Homem.

Apesar de terem a compreensão e solidariedade de todos, houve alguns supervisores que, num acto de humildade e contrição supremas, capaz de envergonhar o mais acérrimo dos franciscanos, decidiram apresentar explicações sobre a incapacidade de prever a crise. Creio mesmo que houve um ou outro que se lamentou do facto de não ter à sua disposição um sismógrafo, ao contrário do que sucedeu com os criminosos cientistas italianos, os quais, apesar de estarem na posse de um imenso aparato tecnológico, não souberam prever algo tão simples como o movimento das placas tectónicas.

Como é óbvio, com utensílios semelhantes, nunca a debacle financeira de 2008 teria posto pé em ramo em verde e destruído a vida a tantos milhares de pessoas. Só se fosse por maldade ou desleixo, como foi o caso da comissão de cientistas italianos que, segundo o procurador Fabio Picuti, apenas transmitiu “informações banais, inúteis, auto contraditórias e falaciosas”. É por isso que estes estão na prisão, caídos em desgraça, e aqueles continuam a ocupar os seus cargos na alta finança, produzindo diariamente informação pertinente, útil, objectiva e fidedigna, contribuindo decisivamente para que o futuro seja um lugar melhor, livre de gente incapaz de prever sismos ou o tempo que vai fazer amanhã.

No entanto, nem tudo é um mar de rosas. O mundo perfeito onde vivemos sofreu um forte abalo com a recente condenação da Standard & Poor’s pelo Tibunal Federal da Austrália. Parece que a agência de rating americana deu a cotação máxima a produtos financeiros que, afinal, eram tóxicos. Por essa razão, terá de indemnizar 13 municípios, os quais registaram perdas superiores a 12,9 milhões de euros na crise de 2008 por terem comprado esses mesmos produtos, fiando-se na sua notação. Como se não bastasse esta decisão por si só ignominiosa, a juíza Jayne Jagot entrou no campo do achincalho ao considerar que a nota dada foi, imagine-se, “enganosa” e “falaz”, o que implicou “declarações negligentes” sobre o produto junto dos investidores. Parece-me evidente que a magistrada leu por engano as declarações do procurador Fabio Picuti, pelo que estou em crer que em breve irá ilibar a agência de qualquer responsabilidade neste assunto.

Mais do que injusta, esta decisão abre um perigoso precedente. A partir de hoje, um indivíduo menos esclarecido poderá pensar que antever uma crise financeira ou dar notas exactas a complexos produtos financeiros é tão fácil como prever um terramoto ou a entrada em erupção de um vulcão. Além disso, o Tribunal Federal da Austrália fez ouvidos de mercador sobre o que as agências de rating vêm clamando há tanto tempo: o seu trabalho consiste somente em dar opiniões, tal como faz qualquer outra pessoa no seu dia-a-dia habitual. Parece-me uma evidência que não merece o mínimo assomo de contestação. Se não vejamos os seguintes exemplos: ontem, um taberneiro de Valpaços, à semelhança do que faz a Standard & Poor’s, opinou sobre o estado do país, o que teve como consequência directa a perda de milhões de euros por parte de empresários estrangeiros que tinham investido capital de risco em Portugal; na passada quinta-feira, os juros da dívida subiram exponencialmente quando as peixeiras da Nazaré baixaram a notação das mães dos políticos; na sexta-feira, os taxistas de Lisboa cortaram no rating de vários condutores, o que levou ao encerramento de várias fábricas de automóveis no interior.

No fundo, cada um de nós é uma Goldman Sachs ambulante capaz de derrubar democracias e provocar a miséria social sempre que abre a boca. Excepto os cientistas, claro. Como é óbvio, estes têm a obrigação de dar factos capazes de prever com a devida exactidão o local, o dia, a hora e a magnitude do próximo sismo. E, já agora, o número de vítimas, feridos, desalojados e o estado do tempo quando a terra tremer. Caso contrário, devem ser condenados sem dó nem piedade a vários anos de prisão.

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