Aí vem mais uma resposta parva sobre as férias

Agora que entrámos no Verão besuntados até os dentes de protector solar, é fundamental evitar que os episódios tristes dos anos anteriores se repitam. Todos nós estamos cansados de ouvir o mesmo. As frases que nos fustigam os ouvidos Verão após Verão são longas alamedas de terra queimada. Calcinada. Reduzida a cinza. Uma e outra vez. Já se esgotou a paciência para as imagens de sempre, repetidas ad nauseam. Ou seja, até expelirmos bílis verde de tanto enjoo. Espero, ou melhor, esperamos que nesta época estival tudo corra pelo melhor e que por uma vez não sejamos brindados com as respostas parvas do costume de quem regressa de férias.  É esse o meu desejo. Sinceramente chega deste flagelo que atormenta o nosso país há décadas. Já é dor suficiente assistir aos incêndios ou, pior ainda, à rentrée política do PSD do Pontal.

Além de nada imaginativas, as respostas parvas dos colegas de trabalho e amigos à pergunta como correram as férias nada esclarecem sobre estas. Fica a pairar a dúvida se nos estão a despachar porque não nos querem dar conversa ou porque são assumidamente idiotas. Normalmente as férias são um assunto neutral, em tudo inócuo, que se aborda com a mesma ligeireza com que se abatem imperiais na esplanada nas tardes quentes de Verão. A não ser que o veraneante seja um espião russo em part-time que passou a sua quinzena de Agosto a aspergir Novichok para cima de incautos transeuntes. Nesses casos, talvez seja preferível camuflar a verdade com uma resposta apatetada do que dizer algo do género: “As minhas férias? O habitual. Gaseei dois ou três casais de sexagenários enquanto me bronzeava no Hyde Park. Ainda apanhei um escaldão. Este Sol é um perigo para a pele.”

Regra geral, as respostas parvas mais comuns são as que se seguem:

“Foram curtas.” É já um clássico em qualquer compêndio da idiotice. Repare-se que à pergunta “como foram as férias?” espera-se uma resposta de teor qualitativo e não quantitativo. Ninguém lhe perguntou de que tamanho foram as férias que justifique resposta tão absurda. Uma das formas de sublinhar com classe a estultícia da resposta do nosso interlocutor é a seguinte: “Foram curtas? A sério? Quantos centímetros tiveram?” Se for um colega de trabalho por quem nutrimos uma civilizada hostilidade e estivermos certos de que se a conversa descambar para a pancada lhe ganhamos, podemos responder algo do género: “Não me digas que foram mais curtas do que a tua inteligência.”

“Já foram.” É também outro clássico de quem acabou de chegar dos areais algarvios ou da Caparica ainda a tresandar a bronzeador. Esta resposta claramente toma o interlocutor por parvo. Ou então quem responde tal idiotice pensa que a outra pessoa está desfasada do tempo presente por viver no século XIII ou, quiçá, no século XXIII. Pensando bem, é uma hipótese que nesta situação não faz grande sentido, porque o tempo verbal da pergunta “como foram as férias?” é o pretérito perfeito, logo o autor da frase tem noção de que as férias já aconteceram algures no passado. A única forma de salvar a resposta das águas turvas da idiotice seria se a pergunta fosse a seguinte: “Como vão ser as tuas férias?”

É curioso verificar que noutros contextos as pessoas se coíbem de dar este tipo de respostas. Ninguém espera que após a pergunta “como foi o parto da tua filha?” a resposta seja “já foi”. Ou imagine-se que alguém pergunta “como está a saúde do teu pai?” e alguém responde “já foi”. Certamente seria de imediato atacado por falta de sensibilidade. Se questionado como foram as negociações para a aprovação do orçamento de estado o primeiro-ministro respondesse “já foram”, amanhã as ruas estariam cheias de manifestantes a exigir a sua demissão. No entanto, quando o assunto versa sobre as férias, nada acontece.

Dar uma resposta garbosa e que, ao mesmo tempo, mantenha uma distância higiénica do orneio do interlocutor, não é tarefa de pouca monta. “Foram para onde?”, é uma solução possível. Ou, se preferirmos ser mais agressivos: “Não me digas que foram ter com o teu cérebro que te abandonou para sempre na viagem de finalistas a Lloret del Mar no Verão de 1998, quando bebeste o oitavo shot seguido de Goldstrike, vodka, rum e bagaço?” Mais uma vez, esta resposta não dispensa a prévia e meticulosa certificação de que o nosso interlocutor não nos leva a melhor caso seja necessário arregaçar as mangas da camisa e sacudir-lhe vigorosamente o resto da areia da praia que ainda tem agarrado ao corpo.

“Souberam a pouco.” Não é tão comum como as anteriores, mas tem feito o seu caminho no infindável reino da parvoíce. Que interpretação poderá fazer a pessoa que ouve tais palavras? Que a água do mar este ano estava insossa? Que o gin bebido no sunset party entre ingleses com queimaduras de segundo grau tinha demasiado gelo? Que sabor, afinal, devem ter as férias? E qual o sabor do pouco? E, já agora, do muito? É uma resposta que apenas semeia confusão. Por isso mesmo, não deve ser levada a sério e ainda menos a pessoa que a deu. Uma forma airosa de a confrontar com a sua inanidade mental é responder-lhe o seguinte: “Já a tua resposta teve um travo forte a estupidez.”

A propósito, este texto já foi. Foi longo. E soube a muito pouco.

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