Avença se te avias
O mais
recente caso da PJ, de seu nome tutti frutti, é a prova de que o futuro da
corrupção no nosso país está em boas mãos e em melhores bolsos. A geração de
corruptos que tem enchido páginas de jornais e o peito da pátria de orgulho já
atingiu o zénite na mui nobre arte de furtar. É forçoso reconhecer que nos
próximos anos iremos assistir ao seu ocaso. Caso Marquês, caso BES, caso BPN,
caso Fizz, caso dos Submarinos, caso E-toupeira, caso Vistos Gold, caso Face
Oculta, entre tantos outros, fazem um magnífico arco-íris de manigâncias que
irá perdurar para sempre na nossa memória colectiva. Como é natural, havia o
receio entre os portugueses de que depois da maré cheia se seguisse a maré
vaza. Ou seja, após vagas sucessivas de tantas e tão boas moscambilhas, viria a
inevitável travessia do deserto. Havia mesmo quem temesse que Portugal
descambasse para um país de gente séria, cumpridora da lei, zelosa no pagamento
de impostos e respeitadora do bem comum. “Será que Portugal corre o risco de se
transformar numa Dinamarca mediterrânica?”, perguntava-se à boca pequena.
Felizmente,
estes e outros fantasmas foram exorcizados com a investigação da PJ que deu a
conhecer o meritório trabalho de base feito pelos jotas do PS e sobretudo do
PSD na formação de uma nova geração de corruptos. É verdade que estes benjamins
da corrupção, do favor ao amigo e do jeitinho ao colega ainda não se aventuram
em cavalgadas de milhões, mas demonstram já um talento inato para a pequena /
média trapaça.
Caro
leitor, retenha desde já os seguintes nomes: Carlos Eduardo Reis, Luís Newton e
Sérgio Azevedo. Este triunvirato promete dar cartas na alta-roda da corrupção,
assim lhes sejam dados os cargos políticos e os lugares charneira nas administrações
de empresas para isso. A forma magistral como já manejam e distribuem avenças
entre amigos e até para eles próprios, pode sossegar os mais cépticos quanto à
regeneração da corrupção nacional. Luís Newton, por exemplo, quando foi vogal
da Junta de Freguesia da Lapa, chegou a acumular o cargo no executivo com uma
avença de 800€ para gerir um complexo desportivo atribuída pela própria Junta.
Já Sérgio Azevedo apresenta no currículo a ressurreição da secção I do PSD na
baixa lisboeta através de uma súbita enxurrada de novos militantes. O facto de
parte deles nem sequer saber que fora inscrito ou de já pertencer a outros
partidos, só reforça o mérito deste delfim da traficância.
É
importante também sublinhar que esta corrupção dentes de leite fomenta a mobilidade
social de uma forma que chega a ser enternecedora. Veja-se o caso de Mafalda
Cambeta. Começou como jardineira avençada na Junta de Freguesia de Campolide a
ganhar entre 300€ e 450€ mensais e agora é presidente da mesa do congresso da
JSD, vogal na comissão política da concelhia e avençada na Junta da Estrela
para realizar actividades com crianças e idosos. É uma história de vontade e
perseverança que a Walt Disney não enjeitaria transformar em filme. Em que
outros contextos acontecem situações semelhantes? Alguém se lembra de uma
camareira ter chegado a administradora da EDP ou de um empregado de balcão
conseguir o cargo de CEO da Mota-Engil?
O gosto
pelo saber também não é descurado na corrupção imberbe. Na verdade, não se
fazem ajustes directos ou se dão avenças apenas para ajudar os amigos ou
aumentar a rede de caciques, como alguns maldosamente pensam. A prova disso é a
avença dada a Vítor Navalho para fazer assessoria em ciências
neuro-comportamentais na Assembleia Municipal de Lisboa. Apesar de ser óbvia a
importância deste tipo de serviços para, por exemplo, calcetar os passeios ou
alcatroar estradas, Luís Newton decidiu mesmo assim dar-se ao trabalho de
explicar que a avença deve-se à necessidade “de compreensão dos fenómenos
comportamentais que impactam a vida comunitária”. É por essa razão que espero
que me seja dada uma avença em astrofísica para explicar como o movimento dos
astros influencia a vida autárquica e ainda outra em floricultura e
fruticultura para explicar aos eleitores o fenómeno de haver tantas rosas e
laranjas podres logo à nascença.
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