Aquele Ministro das Finanças que me tem cativo
O Governo
de António Costa voltou a pulverizar mais um recorde. Depois do défice zero,
conseguiu fazer mais cativações em três anos do que o executivo de Passos
Coelho em quatro. Por uma questão de coerência, creio que, em vez do Parlamento,
o Orçamento para o próximo ano deveria ser aprovado num cativeiro. Seria
sensato, aliás, que os próprios portugueses começassem a ser criados também em
cativeiro, não vá uma taxa de natalidade desregulada estragar a actual
conjuntura macroeconómica. As grávidas seriam obrigadas a manter as crianças
cativas no bucho durante meses ou mesmo anos até Mário Centeno concluir que o
rebentamento das águas não poria em causa o crescimento da economia. Fica a
sugestão.
É curioso
analisar as palavras utilizadas pelos políticos para descrever situações que
todos nós conhecemos. Alguém que guarda ciosamente o seu dinheiro, não faz de
quando em vez uma extravagância e não o empresta aos amigos é, para o cidadão
comum, um unhas-de-fome, um forreta, um agarrado. Contudo, para a classe
política em geral e para o opaco mundo da finança em particular trata-se de um
cativador. Mário Centeno é, portanto, alguém que cativa e não um sovina. O
efeito nos nossos bolsos, na saúde, na educação e nos transportes é o mesmo,
mas ficamos logo mais aliviados quando sabemos que o dinheiro está a ser
guardado por um cativador e não por um Scrooge qualquer.
O
aparecimento da palavra cativar no léxico político vem juntar-se a outras que já
caíram no domínio público. Há alguns anos a esta parte, as empresas em Portugal
deixaram de ter trabalhadores para passarem a albergar colaboradores. Os
despedimentos também se tornaram inexistentes, sendo substituídos por
reestruturações. Tudo isto facilitou a vida às pessoas, porque é bem mais
agradável ser reestruturado do que despedido, sobretudo quando se está apenas a
colaborar na fábrica ou na empresa. Se o verbo cativar tiver o mesmo tipo de
adesão, não admira que em breve tenhamos os seguintes diálogos nos nossos
lares: “Joãozinho, voltaste a ter negativa a português?
Vou ter de te cativar novamente a mesada” ou “Pai, vou-te cativar o carro esta
noite, está bem?”
Recorde-se que
antes de terem sido postos em cativeiro, os portugueses viviam de forma
selvagem e irresponsável. Até que foram resgatados pela Troika e submetidos a
um processo de reeducação económico-financeira. Talvez esteja para breve o dia
em que sejam colocados em liberdade condicional, com uma pulseira com sistema
GPS no tornozelo. Assim, o ministro das finanças e a União Europeia poderão
monitorizar se os seus comportamentos estão a agradar aos mercados e às
agências de rating. Caso seja necessário, largam novamente os mastins do FMI,
do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia para que os agarrem pelo
cachaço e os levem de volta ao dono.
Para já os
portugueses continuarão em cativeiro sob a vigilância de Mário Centeno. Como
escape, podem sempre criar canções que versem sobre a dor de estarem cativos ou
sobre a saudade dos tempos de outrora, em que os comboios da CP cumpriam os
horários ou em que iam a um hospital e eram atendidos em menos de duas horas. O
poema de Luís de Camões “Endechas a Bárbara escrava” poderá mesmo ganhar um
novo fulgor e ser reinventado à luz da vida actual dos portugueses. Deixo aqui
uma possível adaptação da primeira estrofe:
Aquele Ministro
das Finanças
Que me tem cativo
Porque para ele
vivo
Já me cativou as
poupanças.
Eu nunca vi
dinheiro
Em suaves molhos,
Que perante meus
olhos
Durasse o mês
inteiro.
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