A crise vai bem com Nestum de Figos

Quando em 2002 a situação do país piorou, registou-se um aumento no consumo de Nestum e, uma década depois, em virtude da grave crise financeira actual, a facturação da marca disparou sete por cento no primeiro semestre de 2012. A conclusão que se tira é que no que toca a pacotes anti-crise os portugueses preferem indubitavelmente o da Nestum. Trata-se de uma escolha óbvia: de todos os que surgiram até hoje, é de longe o mais doce e fácil de engolir.

A substituição dos almoços e jantares habituais por papas é não só uma prova de abnegação mas também um acto patriótico dos portugueses, uma vez que a Nestum foi criada em Avanca, concelho de Estarreja, no ano de 1958. Se a crise continuar a rapar o bolso dos contribuintes, o próximo passo será trocar o gel banho pelo sabão macaco do Barreiro, a espuma de barbear pelo azeite Gallo de Abrantes e o Vítor Gaspar por um ministro que ajude de facto as finanças do país.

Por outro lado, os portugueses estão a provar que as habituais definições utilizadas para caracterizar os tempos que se vivem são mesquinhas e pouco rigorosas. Ao contrário do que se afirma, não se está a assistir a uma regressão social, mas a um regresso à infância. Se não vejamos: a crise tem dado a oportunidade a milhares de pessoas de voltarem a ter mais tempo livre, de viverem em casa dos pais até aos 30 anos e de recordarem os bons sabores da meninice, como o Nestum com Mel. No fundo, Portugal tornou-se na versão para adultos da Terra do Nunca, onde, tal como na história de J. M. Barrie, nada cresce: nem a economia, nem o ordenado mínimo, nem as pensões…

É provável que este regresso à infância abra a caixa de Pandora de inocências, ingenuidades e ilusões há muito perdidas, como a crença no Pai Natal, em monstros debaixo da cama ou na recuperação económica a partir de 2014. Trata-se, no entanto, de um receio infundado. Normalmente as crianças até podem acreditar na existência de um senhor gordo que vive na Lapónia e enfia prendas pelas chaminés na madrugada de 25 de Dezembro, mas são perspicazes o suficiente para perceber que o fim da recessão é demasiado fantasioso para ser real. Podem ser ingénuas, mas não parvas.

Parece ser ponto assente que o tempo dos almoços e jantares de faca e garfo está a chegar ao fim. É bom que o sector da restauração interiorize este facto o mais rapidamente possível para que abandone de vez a excentricidade de cozinhar pratos de luxo como bacalhau à brás, bitoques ou iscas na frigideira. De agora em diante, nos menus diários dos restaurantes devem passar a constar refeições como Nestum de Amêndoas à Bulhão Pato, Nestum de Arroz à Zé do Pipo ou Secretos de Nestum com Mel na brasa acompanhado por um copo de leite morno.

A Nestlé também tem de estar atenta aos novos segmentos de mercado que a Nestum está a conquistar. Neste momento, a papa é o novo fiel amigo dos portugueses, fazendo-lhes companhia de manhã à noite. Por isso, é fundamental que o famoso jingle da marca seja substituído por um mais actual. Aqui fica a minha sugestão:

“Das nove às cinco! E é das nove às cinco na vida de um desempregado. Vai ser sempre a abrir com Nestum sempre a teu lado. Vida de precário com nada para fazer: sem subsídio, trabalho ou dinheiro para comer! Das nove às cinco! Das nove às cinco!”

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