Este mundo não é para emigrantes pobres

Aristóteles defendeu que a filosofia nasce do nosso espanto perante o que nos rodeia. É por essa razão que Donald Trump é um dos maiores filósofos vivos da nossa época, com a vantagem de conseguir espantar-se com o mundo e simultaneamente espantar todos os que o ouvem. Ou seja, é alguém que além de filosofar induz os outros à reflexão filosófica.

O mais recente motivo de espanto de Donald Trump foi a constatação de que a maioria dos emigrantes que procuram entrar nos EUA é oriunda de países pobres. Para ser fidedigno às palavras do presidente americano, a expressão usada foi “países de merda”. É refrescante ver um grande pensador deixar de lado os hermetismos que abundam na filosofia e esforçar-se para utilizar uma linguagem que todos percebam sem descurar, no entanto, a análise pormenorizada dos grandes temas da actualidade. No final da sua prelecção, Trump sugeriu que os EUA deveriam apostar antes em emigrantes da Noruega. Apesar de não constar no testemunho dos seus discípulos mais próximos, é provável que tenha dado como exemplo do migrante modelo que quer para o país o porta-voz da Casa Branca Raj Shah que, tal como o nome e o tom de pele indicam, é descendente de pais escandinavos.

Passados que estão vários dias, as palavras de Donald Trump continuam a ser pasto para reflexão. Afinal de contas, que mistério é esse que leva os habitantes de países com educação e saúde gratuitas e que, regra geral, ocupam os lugares cimeiros do Índice de Desenvolvimento Humano a permanecerem no mesmo sítio em vez de emigrarem para os EUA? Por que razão os imigrantes são quase sempre oriundos de países pobres, corruptos e, muitas vezes, a braços com conflitos armados? Apesar de todas as interpretações possíveis sobre a intervenção de Trump, não oferece grandes dúvidas de que aponta para a necessidade de elevar a qualidade global dos migrantes. Os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de todo o mundo deviam começar desde já a alterar os critérios de admissão. Em vez de se preocuparem com minudências como passaportes ou vistos de entrada, deviam centrar-se antes nos seus bens materiais. Se tudo correr bem e a mundividência trumpiana se materializar, é provável que em breve se verifiquem situações como a seguinte nos controlos fronteiriços:

Guarda: Boa tarde. Pode desligar o BMW por favor?

Candidato a imigrante: Boa tarde. Com certeza, senhor guarda.

Guarda: Então o senhor e a sua família vêm de onde?

Candidato a imigrante: Vimos da Islândia, senhor guarda. Deixámos os nossos empregos, a nossa vivenda de três assoalhadas em Reykjavik e o nosso iate para emigrarmos para os EUA. Parámos só no Canadá para comprarmos o carro e assim entrarmos como deve ser no país, senhor guarda.

Guarda: Muito bem... E esse relógio que traz ao pulso é de ouro? Parece-me contrafacção.

Candidato a imigrante: Contrafacção senhor guarda? Isto tem 24 quilates. Mal consigo levantar o braço por causa do peso.

Guarda: E aquele casaco de peles que a sua esposa traz? É mesmo vison? Daqui parece feito com materiais sintéticos.

Candidato a imigrante: A minha esposa deixou o casaco de pele de raposa dentro do nosso jacto particular, senhor guarda. Como no Canadá fazia muito frio fomos à Zara e…

Guarda: Desculpe, disse Zara? Está a brincar comigo? Então o senhor quer entrar no nosso país com roupa comprada na Zara? Ponha-se já a andar daqui!

Candidato a imigrante: Mas senhor guarda é apenas um casaco. Já viu estes meus sapatos de pele de crocodilo? Eu prometo que quando entrar nos EUA compro um caso de pele de zibelina para a minha mulher.

Guarda: Desculpem mas os senhores não são imigrantes que se apresentem. Peço que desimpeçam a entrada. A senhora do Porsche faça favor de avançar.

Entre muitas outras vantagens, parece-me óbvio que a aposta em migração gourmet é a solução mais eficaz para muitas da crises humanitárias que assolam o nosso planeta. As tragédias que se verificam todos os meses no Mediterrâneo, por exemplo, só acontecem porque se tratam de migrantes pobres, sem dinheiro para ter barcos. É gente que quer ser emigrante sem ter recursos para isso, o que é lamentável. Com o salto qualitativo da migração será mais difícil que os transatlânticos de luxo naufraguem por sobrelotação. Em vez de coletes salva-vidas e de uma refeição quente, o que essas pessoas precisarão aquando do desembarque é de um protector solar e de um trolley para as bagagens.

Claro que nem tudo serão facilidades. Infelizmente, muitos países, entre os quais se insere Portugal, ainda não estão preparados para albergar com o mínimo de luxo este novo tipo de imigrantes. É provável que surjam conflitos sobre quem alugou primeiro a Penthouse do Hotel Pestana ou quem reservou mesa para quatro no Gambrinos. A ONU será obrigada a intervir e então António Guterres falará, no seu tom pesaroso habitual, da grave crise humanitária dos imigrantes alojados em hotéis de quatro ou até mesmo três estrelas e que tiveram de comer bife da vazia ao jantar por escassez de bife do lombo. Nessa altura Trump escreverá um tweet a queixar-se dos imigrantes vindos dos países desenvolvidos de merda e a exigir o regresso dos mexicanos e dos burritos porque está farto de comida gourmet.

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