Senhores passageiros, hoje é mais um dia com perturbações


Imagine que se cruza todos os dias na rua com um septuagenário visivelmente perturbado. Quando se aproxima, ouve-o debitar enfadonha e constantemente conselhos sobre segurança. O que faria? Provavelmente ligaria para a Segurança Social e dava conta da ocorrência. Então, por que razão ainda ninguém fez o mesmo com o Metro de Lisboa?

Na verdade, como prenda pelas 70 velas sopradas este ano, o Metro de Lisboa merecia ser levado para um lar onde passasse o resto dos seus dias a assar castanhas à lareira e a relembrar (se ainda for capaz) as bonitas viagens que fez pela cidade. Obrigá-lo a continuar a transportar pessoas, quando já não tem capacidade para o fazer, é uma violência a que nenhum idoso merece ser sujeito. A prova de fé que milhares de utentes fazem diariamente ao deixarem-se ser transportados por ele, é o equivalente a aceitar ser guiado na selva por alguém com Alzheimer. Senão vejamos: diariamente esquece-se de aparecer à hora marcada, está permanentemente com perturbações, provavelmente por não tomar a medicação a horas, e muitas vezes fica parado nas estações sem razão aparente. Ou talvez seja para recuperar o fôlego antes de iniciar a próxima viagem.

A deterioração do seu estado de saúde é tal que receio estar para breve o dia em que deixe cair o andarilho para o meio dos carris, provocando um descarrilamento, ou então que comece a enganar-se na cor das linhas. O utente está há 15 minutos à espera do Metro e ouve o seguinte aviso: “Senhores passageiros, há perturbações na linha roxa… Roxa ou azul? Esperem… deixem-me pôr os óculos… Afinal é a linha castanha que vai para Sacavém via Baixa-Chiado, passando pelo Saldanha. Obrigado e cuidado com a segurança, meus meninos, porque anda aí gandulagem que… (silêncio) Desculpem, saltou-me a placa. Onde é que eu ia?”

Agora que Lisboa está na moda, talvez se pudesse aproveitar estas constantes perturbações para promover ainda mais a cidade junto dos turistas. Uma das frases para a nova acção de marketing poderia ser: “Aproveite para se espalmar contra lisboetas de gema e sinta-se um verdadeiro habitante da cidade”. Outro chamariz igualmente interessante seria: “Gostava de se sentir como uma verdadeira sardine portuguesa em lata? Então viaje no metro e veja como 50 pessoas cabem num metro quadrado. Se ainda conseguir tirar uma selfie enquanto come um pastel de nata, oferecemos-lhe a próxima viagem.”

É de elementar justiça, no entanto, reconhecer que o estado de saúde do Metro não teria chegado a este ponto se tivesse melhores utentes. Setenta anos depois, é difícil de compreender que ainda haja quem não perceba como é que se utiliza este meio de transporte. Quando as portas do Metro abrem, as pessoas que estão no cais de embarque devem deixar espaço suficiente para os que querem sair. Muitas das vezes, deixam um estreito corredor, semelhante ao corredor da morte que se fazia na escola primária, obrigando os utentes a sair a conta-gotas. É por esse motivo que, de agora em diante, ando sempre munido de uma catana para abrir caminho.

Há igualmente passageiros que ainda não perceberam que o Metro continua para lá da porta de entrada. Assim que entram, ficam parados como monos, bloqueando a passagem a todos os outros. Se descolassem os olhos por breves momentos dos smartphones, perceberiam que existem assentos e um longo corredor por onde se podem espalhar. Mas não. Preferem ficar em magotes junto à porta de saída, a levar encontrões, enquanto fazem, alienadamente, scroll down no mural do facebook.

O que vale é que o Metro vai passar a funcionar em pleno já a partir deste Verão. Palavra do presidente da empresa Vítor Domingues dos Santos. Afinal de contas, não há nada como esperar escassos 70 anos para que o velhote comece, enfim, a ser tratado com a dignidade que a sua provecta idade merece. Agora só falta mesmo um anúncio que garanta que a partir do Inverno os utentes do Metro também passarão a comportar-se com mais civismo.

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