A crise num centro comercial perto de nós

Os portugueses falam sobre o corte do subsídio de Natal nas mesas dos cafés e encolhem os ombros. Vêem na televisão as notícias sobre o galope do desemprego e sorriem com indulgência. Ouvem na rádio que os impostos vão aumentar e perguntam por novidades. Lêem no jornal que não vão abrir novos centros comerciais em 2012 e gritam espavoridos: “Meu Deus, a crise chegou!”

Na condição de apreciador confesso de grandes superfícies de consumo, trata-se de uma notícia que me deixa triste. É em momentos como este que tomo pulso à verdadeira dimensão da carestia que nos está a afectar. Olho para o mapa de Portugal e pergunto-me, com os olhos emudecidos, o que será das boas gentes da Beira Baixa sem um Dolce Vita Alcongosta; qual o futuro da juventude alentejana sem um Canal Caveira Shopping; que sorte estará reservada aos transmontanos sem um Fórum Alfândega da Fé.

Para muitos portugueses, os fins-de-semana vão deixar de fazer sentido. Os lisboetas, por exemplo, terão de se contentar em visitar as lojas da Zara, Mango, Bershka ou Fnac num dos escassos 348 centros comerciais que têm à sua disposição. Sem a crise, tudo seria diferente: provavelmente visitariam as lojas da Zara, Mango, Bershka ou Fnac num dos 349 centros comerciais que teriam à sua disposição. Se nada for feito, temo que um dia veremos famílias inteiras trocar os divertidos sábados e domingos dentro das grandes superfícies por enfadonhas idas ao teatro ou (o diabo seja cego, surdo e mudo) por visitas a museus.

Os centros comerciais fazem parte da nossa vida. De uma forma ou outra, todos eles trouxeram um pouco mais de ridículo à nossa existência, o que é de salutar. Antes do seu aparecimento, as histórias de amor entreteciam-se nos bailes da aldeia, no piscar de olhos mais ousado durante a missa ou nos beijos fugidios dados na boda dos casamentos. Muitos pais gostam de relembrar esses tempos que já lá vão aos netos. Contam-lhes a dor da separação devido à Guerra Colonial e todos os episódios passados no ultramar. Alguns mostram até as cartas de amor que escreveram nesse período e descrevem com incontida emoção o momento do tão desejado reencontro.

Daqui por uma ou duas décadas, as histórias terão necessariamente mudado, mas a beleza será em tudo igual. Algures em Fernão Ferro, por exemplo, o Carlos do Montijo contará aos netos que conheceu a Fernanda de Sarilhos Grandes no Fórum Barreiro quando tinha ido comprar um saco de gomas. Presumo que seja algo deste género: “Foi numa mesa do McDonalds que a vi pela primeira vez. Estava a comer um Big Mac com batatas fritas tamanho XXL e eu disse a mim próprio: ‘Uau! Esta dama gosta dos mesmos hambúrgueres que eu!’ Então enchi-me de coragem, cheguei ao pé dela e ofereci-lhe um guardanapo para limpar o ketchup que lhe escorria pelo queixo. Ela sorriu e eu percebi que havia algo entre nós. Depois convidei-a para um passeio romântico pela Dolce Gabbana e pelo Massimo Dutti, até que não aguentei mais e puxei-a para dentro dos vestiários da Springfield. O nosso amor tem durado até hoje, apesar das crises de colesterol que a obrigavam, de vez em quando, a ficar internada no hospital por uma ou duas semanas. Ainda hoje guardo o comprovativo do seu primeiro internamento no Hospital Garcia de Orta naquela gaveta. Nesses momentos difíceis em que estávamos separados, espairecia no Allegro Palmela ou no Retail Park da Moita na companhia de um litro de Coca-Cola e de uma pizza familiar. Que saudades da juventude…”

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