O Praça Velha morreu! Viva o Praça Nova!

O Tribunal da Relação de Lisboa deliberou que a Adega Cooperativa do Fundão não pode continuar a comercializar o vinho Praça Velha. Em causa está a alegada semelhança com o nome Barca Velha, da Casa Ferreirinha. “Lendo-as e relendo-as, ouvindo-as e voltando a ouvi-las, lenta e rapidamente, o som das duas palavras, a memória visual e a imagem que nos fica é a de que não existe entre as marcas individualidade”, explicou o juiz. Depois acrescentou "esta pinga é mesmo boa" enquanto apalpava as pernas da escrivã e trauteava a canção Vinho do Porto de Carlos Paião e Cândida Branca Flor. Infelizmente, nenhum dos jornalistas presentes deu conta destes últimos factos.

Refira-se, em abono da verdade, que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa terminou com um problema que andava a depauperar as finanças de muitas famílias portuguesas. Está devidamente comprovado pela DECO que vários casais ficaram sem dinheiro para a prestação da casa após terem passado por uma garrafeira. Regra geral, tomavam consciência de que estavam falidos após fazerem a seguinte constatação: “Oh diabo, parece que em vez de comprar o Praça Velha, que custa seis euros, desbaratei 400 euros no Barca Velha sem dar por isso. Maldita falta de individualidade entre as duas marcas que me roubou metade do ordenado! Quando é que a justiça põe fim a este tormento? Maria arruma as tuas coisas que vamos ser despejados no final deste mês.”

Não tenham dúvidas: a Fitch, a Standard & Poor's e a Moody's são uns aprendizes de feiticeiro ao lado da Adega Cooperativa do Fundão e da Casa Ferreirinha no que concerne à nobre arte da devastação financeira e da miséria social. Um dia, a Polícia Judiciária lamentar-se-á pelo tempo perdido na investigação do esquema em pirâmide de Oliveira e Costa, quando devia ter procurado os verdadeiros malfeitores por entre os tonéis beirões e os balseiros durienses. Quando se escrever a história desta crise, será o esquema em cacho onomástico das duas produtoras de vinho que figurará nos compêndios de economia de todo o mundo e não as moscambilhas pueris de Bernard Madoff e seus sucedâneos.

Outro argumento a favor da decisão do Tribunal é que as marcas Barca Velha e Praça Velha prestavam-se a equívocos não só fonéticos mas também geográficos. Na verdade, abundam os relatos de pessoas que pensavam estar a dirigir-se para a Praça Velha, localizada no Fundão, e, quando davam por elas, encontravam-se dentro de uma barca velha no meio do Douro vinhateiro. Como não levavam comprimidos para o enjoo, a maioria ficava mareada com o gingar periclitante da barcaça, o que provocava um certo desconforto. Alguns só regressaram a casa várias semanas depois, quando tinham saído apenas para ir beber um copo com os amigos.

É verdade que a Casa Ferreirinha ganhou o processo que interpôs na vindima de 1927 e terminou com o  despontar dos primeiros cachos de 2012, o que demonstra que, pelo menos por uma vez, a justiça portuguesa funcionou de forma célere. No entanto, parece-me que a Adega Cooperativa do Fundão tem mais motivos para estar feliz com a decisão do Tribunal, visto que o Praça Velha estava claramente a perder prestígio ao ser associado ao Barca Velha.

De facto, o Praça Velha é um vinho que se dá com toda a gente. Tanto galhofa entre compinchas no sopé da Gardunha como discreteia com elevação numa mesa de negócios ou num jantar formal no Gambrinos. É uma marca sem pruridos elitistas, exibindo-se com o mesmo orgulho num supermercado, ao lado de um vinho de pacote, ou entre dois Châteauneuf-du-pape numa garrafeira internacional.

Já o Barca Velha não priva com qualquer um. Apenas mostra o seu rótulo em garrafeiras frequentadas por descendentes de condes, viscondes, barões e pela moderna oligarquia dos CEO e CFO. Por esse motivo, olha com um desdém sobranceiro para as pessoas que compram vinhos em supermercados. À semelhança das meninas queques da linha de Cascais com nomes de rainhas e que os pais tratam por você, nunca esboça um sorriso e nunca cavaqueia democraticamente numa mesa com os amigos, porque a sua condição o transformou numa triste peça de museu resguardada dos olhares do vulgo.

Face ao exposto, será da mais elementar boa educação que a Adega Cooperativa do Fundão envie uma carta de agradecimento ao Tribunal da Relação de Lisboa por não permitir que o Praça Velha continue a ser confundido com o emproado vinho da Casa Ferreirinha. Foi rebaptizado Praça Nova? Que importa? Não é por isso que deixará de jorrar festiva e abundantemente por todos os cafés, tascas, tabernas, restaurantes, casas e hotéis deste país. E, pormenor não despiciendo, quem o beber em demasia tem a certeza de que no dia seguinte apenas terá uma ressaca na cabeça, enquanto o Barca Velha provoca, amiudadas vezes, securas ao nível da carteira, as quais são as mais difíceis de passar.

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